Lisboa era o
desenrasca das situações mais difíceis, por isso muita gente rumava à capital
para trabalhar ali dois ou três meses e, desta forma, lá traziam algum
dinheirito, que iria fazer face a alguma desordem orçamental de algumas
famílias.
O meu pai resolvera também tentar a
sua sorte e, na madrugada de um sábado, lá foi também, como tantos outros, à procura
de ganhar uns vinténs que desafogassem o sufoco que uma família, de seis pessoas, vivia naquela altura.
Com a ausência
de meu pai, alguma coisa tinha de mudar no quotidiano rotineiro a que estávamos
habituados. Ora como o meu pai era barbeiro, naquele sábado, alguém tinha que
desempenhar o seu papel, pois não tardariam a chegar os primeiros fregueses,
para a habitual escanhoadela.
O escolhido fora o Joaquim Corato, que era muito
amigo do meu pai e ainda porque dava um jeitito com a barbeadora.
A meio dessa
manhã, o amigo Corato tivera uma folgazita e preparava-se para cortar também a
sua barba. Ao aperceber-me desta manobra dirijo-me ao pobre coitado e sem mais
nem menos, atiro com a frase: Ó tio Joaquim quer que eu lhe corte a barba? O
homem olhou de soslaio e perguntou: E tu sabes cortá-la? Claro, respondi de
imediato e acrescentei, sou eu que algumas vezes corto a de meu pai! Bom, continuou
ele, se assim é, vamos lá e sentou-se no cadeirão, esperando que o agora armado
em “barbeiro” lhe colocasse o pano à volta do pescoço.
Não tardou e a cara do
“freguês” estava preparada para o sacrifício, cheia de sabonária. No primeiro lance, o homem lançou um pequeno estremeção
que me deixou um pouco nervoso, mas continuei.
A meio da tarefa, ele levantou a
mão e disse: Ouve lá, passa a navalha pelo assentador porque está um bocado
brava. Sinceramente, não sei fazer isso lá muito bem, porque a minha mão é
pequena e não seguro muito bem a navalha, atalhei eu de rompante.
Pacientemente,
o bom homem pegou nos instrumentos e com muita calma fez o assentamento da
“naifa”, deixando esta ainda mais bem preparada para continuar com o flagelo
infligido na cara do desgraçado. Por fim, dei por terminado o massacre e
arrepiei-me só em pensar o que ele me diria quando se visse ao espelho.
Antes
de terminar, entrou o meu alfaiate que, a troco de me fazer anualmente umas
calças, gozava ele e os filhos, ao longo do ano, dos serviços do barbeiro.
Quando o alfaiate
entrou e viu a cara ensanguentada do Corato, perguntou de imediato pelo meu
pai, ao que respondi que naquele dia não ia estar.
O homem deve
ter pensado lá para ele: que diabo então foi-se embora e ficou o rapaz a tomar
conta disto?
Devo ter ficado atrapalhado com o
olhar fulminante que o homem me lançou, mas também não deve ter provocado
grande efeito, já que, o agora escanhoado Joaquim, acudiu em meu socorro e
disse. Ó tio João olhe que, o rapaz, já não arranja nada mal, tem até muito
jeito para isto, tem a mão muito leve, sabe muito bem dar-lhe volta. Muito bem,
até pode ser, mas corta-me lá tu a barba, para ser mais depressa!
Que bela
desculpa pensei; é claro que ele quando viu a cara do outro, jamais deixaria
que eu lhe pusesse as mãos na cara dele.
Bem se vê
que a minha promissora carreira de Barbeiro por aqui ficou…
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