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terça-feira, 27 de novembro de 2012

Eu bem queria ser BARBEIRO…


Lisboa era o desenrasca das situações mais difíceis, por isso muita gente rumava à capital para trabalhar ali dois ou três meses e, desta forma, lá traziam algum dinheirito, que iria fazer face a alguma desordem orçamental de algumas famílias.

O meu pai resolvera também tentar a sua sorte e, na madrugada de um sábado, lá foi também, como tantos outros, à procura de ganhar uns vinténs que desafogassem o sufoco que uma família, de seis pessoas,  vivia naquela altura.

Com a ausência de meu pai, alguma coisa tinha de mudar no quotidiano rotineiro a que estávamos habituados. Ora como o meu pai era barbeiro, naquele sábado, alguém tinha que desempenhar o seu papel, pois não tardariam a chegar os primeiros fregueses, para a habitual escanhoadela.

O escolhido fora o Joaquim Corato, que era muito amigo do meu pai e ainda porque dava um jeitito com a barbeadora. 

A meio dessa manhã, o amigo Corato tivera uma folgazita e preparava-se para cortar também a sua barba. Ao aperceber-me desta manobra dirijo-me ao pobre coitado e sem mais nem menos, atiro com a frase: Ó tio Joaquim quer que eu lhe corte a barba? O homem olhou de soslaio e perguntou: E tu sabes cortá-la? Claro, respondi de imediato e acrescentei, sou eu que algumas vezes corto a de meu pai! Bom, continuou ele, se assim é, vamos lá e sentou-se no cadeirão, esperando que o agora armado em “barbeiro” lhe colocasse o pano à volta do pescoço. 

Não tardou e a cara do “freguês” estava preparada para o sacrifício, cheia de sabonária. No primeiro lance, o homem lançou um pequeno estremeção que me deixou um pouco nervoso, mas continuei. 

A meio da tarefa, ele levantou a mão e disse: Ouve lá, passa a navalha pelo assentador porque está um bocado brava. Sinceramente, não sei fazer isso lá muito bem, porque a minha mão é pequena e não seguro muito bem a navalha, atalhei eu de rompante. 

Pacientemente, o bom homem pegou nos instrumentos e com muita calma fez o assentamento da “naifa”, deixando esta ainda mais bem preparada para continuar com o flagelo infligido na cara do desgraçado. Por fim, dei por terminado o massacre e arrepiei-me só em pensar o que ele me diria quando se visse ao espelho.

Antes de terminar, entrou o meu alfaiate que, a troco de me fazer anualmente umas calças, gozava ele e os filhos, ao longo do ano, dos serviços do barbeiro.

Quando o alfaiate entrou e viu a cara ensanguentada do Corato, perguntou de imediato pelo meu pai, ao que respondi que naquele dia não ia estar.

O homem deve ter pensado lá para ele: que diabo então foi-se embora e ficou o rapaz a tomar conta disto?

Devo ter ficado atrapalhado com o olhar fulminante que o homem me lançou, mas também não deve ter provocado grande efeito, já que, o agora escanhoado Joaquim, acudiu em meu socorro e disse. Ó tio João olhe que, o rapaz, já não arranja nada mal, tem até muito jeito para isto, tem a mão muito leve, sabe muito bem dar-lhe volta. Muito bem, até pode ser, mas corta-me lá tu a barba, para ser mais depressa!

Que bela desculpa pensei; é claro que ele quando viu a cara do outro, jamais deixaria que eu lhe pusesse as mãos na cara dele.

Bem se vê que a minha promissora carreira de Barbeiro por aqui ficou…  

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