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sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

O heróico salvamento do cabrito, Pega! Pega!


A erva jóia já estava apendoada e baloiçava ao sabor de uma leve brisa que se fazia sentir no vale, ficando a incógnito para que lado iria cair, era mais uma questão de dias e se a foice não se apressasse não tardaria a escolher o lado para se deitar e assim dar a sensação de finalmente adormecer num merecido descanso.

As águas no rio corriam lestas a caminho do oceano, não se descuidando no seu desenfreado canto, quando esbarravam em enormes rochas, flagelando os seus sedimentos graníticos, amaciando a sua aspereza, tornando-a lisa como a seda.

Uns metros mais acima cruzavam-se os dois rios, abraçando-se num abraço aterrador, disputando entre si qual dos dois chegaria primeiro ao leito materno e aí poderem finalmente terminar a sua súplica, depois de tantos tormentos que passaram desde a sua formação.

A espuma branca parecia indicar que uma raiva endemoninhada se tinha apoderado dos dois, sem nenhum deles dar o braço a torcer, como que se ambos lutassem pelo mesmo direito, mas sem que chegassem a qualquer conclusão.

Um pouco mais a nascente, um velho moinho rosnava qualquer coisa impercetível, sempre que as penas do rodízio eram empurradas pela força da água, que estrangulada, pela chavelha ao fundo da cale, impelia uma força brutal que deixava a sensação de arrancar cada uma dessas peças de madeira, transformando-as em simples objetos imprestáveis.

Recairia sobre o velho moleiro a responsabilidade de o reparar, se alguma anomalia o atacasse.

Durante a meninice, passei algumas horas a tentar contar as voltas que aquela gigantesca roda dava debaixo de água, mas sem qualquer êxito e, quando no verão não havia água para o mover, procurava os ninhos que habilidosas carriças por ali os faziam.

As fortes trovoadas, que alguns dias atrás ribombaram durante a noite e cujos raios iluminavam o escuro vale, foram sinónimo de fortes chuvadas que encheram os rios e ribeiros, dando lugar ao forte caudal, que o leito pedregoso tinha dificuldade em conter.

Um pouco a sul o sinuoso rio descansava agora numa larga açude que parecia convidar as revoltadas águas a um merecido descanso e que finalmente iria serenar as agitadas correntes, como que a arranjar ânimo para continuar a luta e abraçar de novo os obstáculos que iriam encontrar ao longo do seu percurso até se encontrarem lá bem longe com as suas congéneres águas salgadas.

Enquanto na margem direita do rio se estendiam grandes terrenos de cultivo, na margem oposta a inclinação do terreno era de tal forma acentuada que o seu amanho era impossível, daí que se erguiam grossos castanheiros e alguma cerejeira brava que para pouco mais servia, que não fosse para alimentar a passarada, na época da caroia!

O caminho de acesso à quinta era demasiado íngreme e distava algumas centenas de metros da aldeia, que demorava cerca de meia hora a percorrer e, ainda por cima, tinha que se atravessar o rio Mau, por umas poldras traiçoeiras que substituíam as que em tempos foram colocadas mas que agora, com as fortes cheias, foram água abaixo.

No verão as lagartas que se cruzavam em longas filas, desde a Casinha até ao Premoço, causavam arrepios e comichão quando, sem se dar conta, eram pisadas com pés gretados e descalços, como então era o meu caso.

Cheguei a percorrer aquela distância várias vezes ao dia e não tinham conta as moucadelas que dava aqui e além, pondo os dedos dos pés em chagas vivas.

Numa dessas viagens e fazendo valer a curiosidade de criança, descobri um ninho de gaio, bem alto, na copa de um pinheiro.

Não pensei duas vezes e vai de subir a árvore com muita dificuldade, já que era bastante alta e grossa de mais para a abarcar.

Assim que chegasse às trepes, a dificuldade diminuía e, de galha em galha, o percurso até ao ninho era mais rápido e cómodo. Porém, após tanto sacrifício, verifiquei que o maldito já era velho, ou seja, do ano anterior.

Fiquei desanimado e vai de descer o mais rápido que podia e fi-lo de tal forma que nem reparei que na base do pinheiro e muito bem enroscada estava uma enorme cobra, que ao sentir o meu pé descalço a interromper-lhe o seu descanso, deve ter ficado mais assustada do que eu, pois a sua reação não foi de ataque mas sim de medo, visto que fugiu a sete pés enquanto eu fazia o mesmo mas em direção oposta.

Escusado será dizer que não ganhei para o susto, já que o caso não era para menos.

Das cortes do Catito avistava-se todo o vale, dali podíamos usufruir duma bela paisagem, onde na primavera as árvores de fruto emprestavam ao local um colorido deslumbrante, que faziam adivinhar uma boa época de fruta, que por sinal era bastante diversificada.

Deste local diz-se que certo dia, o tal Catito estaria por ali em amena cavaqueira com um vizinho e lhe terá contado que certa altura se encontrava por ali de noite, mas uma noite muito escura, como bucho dizia…Então passou por ele um vulto muito grande, que só consegui identificar quando ele subia do outro lado do vale, pela Covada acima e que só então se deu conta que era um enormíssimo lobo de rabo caído!

Ora o vizinho perante tal narrativa interrogou-o, nestes termos: Então ó Catito; então estava tão escuro e tu vias o lobo lá do outro lado?!
O Catito, dando-se conta que tinha sido apanhado no logro, atalhou: Não, que fazia luar como de dia!

O Catito tinha destas coisas!...

Nesse dia o céu estava com um ar carregado, abrindo aqui e além pequenas janelas, por onde rompiam alguns raios de sol, que concediam ao vale um colorido tropical, não faltava o cantar estridente dos grilos e de uma ou outra cigarra que deixava adivinhar que o estio não iria tardar.

Na quinta já pouca gente morava, um casal de meia-idade com os seus oito filhos e uma senhora um pouco mais velha, além de nós, que, embora residíssemos na aldeia, era ali que passávamos a maior parte do tempo, já que também tínhamos ali uma casa para viver com desafogo e alguma comodidade.

Os dias passavam lentamente e os passatempos das pessoas não eram muito diferentes uns dos outros, enxada na mão e vai de esgravatar a terra, que era desta que tudo vinha.

Poucos terrenos eram aráveis, pelo que todos ou quase todos os trabalhos tinham que ser feitos manualmente.

Nos calços mais áridos, já estavam dispostos e alinhados alguns montitos de esterco, que aguardavam o dia da vessada para serem espalhados pela terra, que aguardava ansiosa pelo fertilizante, que lhe iria proporcionar uma melhor produtividade.

Enquanto eu apascentava algumas cabeças de gado, minha mãe punha mato novo na corte.

Um cabrito de tenra idade, incapaz de acompanhar o gado adulto, ficava fechado, fazendo uma gritaria durante o dia, sempre à espreita de uma oportunidade para fugir, o que aconteceu precisamente naquele dia.

O danado do cabrito saiu esbaforido com destino ao rio, talvez confundindo o barulho da água, 
com algo que lhe parecesse familiar.

Como eu estava por ali perto, não pensei duas vezes e vai de partir desenfreadamente atrás do maldito, que parecia ter asas nas patas.

O rio ficava cada vez mais perto, mas a certa altura eu tinha a situação controlada e a sua captura estava por segundos.

Foi já na margem que consegui agarrar uma pata do bicho e evitar a sua queda na água, porém a terra fugiu debaixo dos meus pés e zás! Os dois para dentro de água.

Caindo de caleira em caleira, sempre com o animal seguro pela pata, chegamos ao açude, onde a profundidade da água era de tal forma que fiquei sem pé.

Na margem a aflição da minha mãe era impossível de descrever, gritando por socorro, que não havia de chegar.

Não tive outra alternativa que não fosse largar o cabrito e tratar de nadar para a outra margem, que era a que ficava mais perto e a água mais serena.

Finalmente em terra firme e a minha mãe mais aliviada daquele instantâneo sofrimento, continuei na perseguição do bicho, que entretanto também nadou, na mesma direção.

Agora, já não havia gritos de aflição, mas sim gritos de, pega, pega!

Cansei o animal e filei-o com unhas e dentes, devolvendo-o ao curral de onde ele nunca deveria ter saído.

1 comentário:

  1. Pelas deliciosa descrição, percebe-se que os locais devem ser, ou foram, muito bonitos. Mais um belíssimo conto!
    Cumps. Anabela Marques

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